segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Acompanhamento pré-natal pelo médico de família - discussão da 4a reunião

Pré-Natal
Acompanhamento pré-natal pelo médico de família – revisão da aula

Na 4ª reunião da LIMFC-UFSC, a médica de família Fernanda Lazzari Freitas presentou o tema Acompanhamento pré-natal pelo médico de família.

Para baixar a apresentação: LIMFC-UFSC Reunião 4 - Pré-natal.
Para conferir a bibliografia utilizada na apresentação: Material de apoio - Pré-natal

A realização do pré-natal na Unidade Local de Saúde (ULS) começa com sua organização – quem deve fazer o pré-natal? Qual o número de consultas?

O pré-natal de baixo risco pode ser feito por médico da atenção primária, parteiras (mais comum em outros países, no Brasil, substitui-se pelo profissional da enfermagem) ou ainda pelo gineco-obstetra. Segundo estudos, não há diferença no grau de satisfação pelas pacientes. A recomendação do número de consultas realizadas pelo MFC ou pela enfermagem não é definida pelo Ministério da Saúde.

O número de consultas preconizado para o atendimento pré-natal é de 10 para as primíparas e 7 para multíparas. O número de consultas não altera o desfecho (ou seja, não muda morbi/mortalidade), mas interefere na satisfação da paciente. No Brasil, o mínimo é de seis consultas, sendo idealmente divididas em uma no 1º trimestre, duas no 2º trimestre e três no terceiro trimestre.

Vamos agora listar conselhos importantes a serem dadas às gestantes, guiados por níveis de evidência confiáveis (mínimo de evidência utilizado: C):

·        Fumo: deve-se sempre investigar ativamente o tabagismo ao se iniciar o pré-natal. Deve-se desencorajar fortemente o hábito, devido ao risco de baixo peso ao nascer.
·        Álcool: recomenda-se abstinência durante a gestação e deve-se sempre rastrear o uso. Não há estudos que mostrem qual quantidade seria segura.
·        Amamentação: recomenda-se que se iniciem as orientações já nas consultas de pré-natal.
·        Atividade sexual: não há nenhuma relação com desfecho negativo, portanto, não há contra-indicações.
·        Atividade física: evitar atividades com alto risco de queda e trauma abdominal. Orientar 30 minutos de atividade física moderada na maioria dos dias da semana. O mergulho também é contra-indicado, pelo risco de síndrome da descompressão fetal.
·        Imersões quentes/sauna: são atividades contra-indicadas, pelo risco de má-formação do tubo neural e de abortamento.
·        Viagens aéreas e viagens longas: viagens aéreas não são recomendadas a partir de 4 semanas antes da data provável do parto. Tanto para viagens aéreas quanto para viagens longas, deve-se atentar para o risco de trombose venosa profunda (TVP).
·        Tingimento de cabelo: existe associação com má-formação. Deve-se evitar principalmente no 1º trimestre. Pode-se sugerir à paciente o uso de henna ou tinturas sem amônia.

E quais os suplementos indicadas na gravidez?

O ácido fólico, cuja suplementação é capaz de diminuir a prevalência de defeitos do tubo neural, deve ser usado até a 12ª semana (grau A de evidência). O ideal é existir uma consulta pré-concepcional, onde já se inicie a reposição antes mesmo da gravidez. A dose recomendada é de 400mcg/dia.

A suplementação de ferro, de acordo com o National Institute for Health and Clincal Excellence (NICE), não está recomendada para se fazer de rotina, pois não há benefícios e ainda existem os efeitos colaterais gastrointestinais do sulfato ferroso. De acordo com o NICE, deve-se solicitar um hemograma na primeira consulta e, caso hemoglobina ≤ 11g/dl, deve-se iniciar a suplementação. Se, ao se repetir o exame com 28-30 semanas, os valores encontrarem-se 10,5g/dl, mantém-se – ou inicia-se – a suplementação. São utilizados valores menores de hemoglobina no decorrer da gestação devido ao efeito de hemodiluição.
Entretanto, a recomendação atual do guia do Ministério da Saúde (2006) preconiza uso de 40mg/dia de Ferro elementar para as gestantes com hemoglobina ≥ 11g/dl. Se caso esteja em valores inferiores a 11g/dl, iniciar tratamento com 120-240mg/dia de Ferro elementar. No novo manual do Ministério, ainda não publicado, a nova recomendação será considerar cada caso de acordo com a região.

A vitamina A só deve ser suplementada em regiões com história de prevalência de hipovitaminose A (como ocorre em alguns locais no Nordeste, por exemplo), na dose de 5000UI/dia. Atenção para o uso de altas doses de vitamina A, que tem potencial teratogênico.

A vitamina D só deve ser reposta em locais com exposição limitada à luz, o que não ocorre no Brasil.

A suplementação de cálcio não é recomendada de rotina. Estimula-se a ingesta de 1000-1300mg de cálcio/dia. Já se foi usada para prevenção de pré-eclâmpsia. Apesar de realmente diminuir a pressão arterial e a pré-eclâmpsia, não há diminuição da mortalidade perinatal com o uso de cálcio.

O exame físico da gestante deve contemplar:
·        Peso: essencial na 1ª consulta. Importante para recomendar o ganho de peso durante a gestação.
·        Pressão arterial: não há recomendações precisas sobre a freqüência que a PA da gestante deve ser aferida, portanto, para o pré-natal de baixo risco, recomenda-se que seja verificada em todas as consultas.
·        Edema: sinal presente em 80% das gestantes. Lembrar que não é nem sensível e nem específico para o diagnóstico de pré-eclâmpsia.
·        Palpação abdominal: as manobras de Leopold, utilizadas para determinação da posição fetal, devem ser realizadas apenas após a 36ª semana, devido ao alto índice de erro quando realizada precocemente.
·        Contagem do movimento fetal: não existe recomendação para sua realização nas consultas.
·        Ausculta dos batimentos cardíacos fetais (BCF): recomendada em todas as visitas (audível geralmente após a 10ª-12ª semana de gestação), principalmente para assegurar a mãe da viabilidade fetal.
·        Altura de fundo uterino (AFU): além de se checar em toda visita, é indispensável a inserção dos valores no gráfico. É um método simples e barato para se identificar problemas. Ideal ser avaliado pelo mesmo aferidor, para diminuir erros de aferição.
·        Toque vaginal: somente se queixas ou pródromos de trabalho de parto.

As condutas de rastreamento a serem realizadas nas gestantes estão descritas abaixo:
 ·        Anemia: conforme discutido anteriormente, preconiza-se solicitação de hemograma no início do pré-natal e com 28 semanas.
·        Tipagem sanguínea (ABO e Rh): para os casos de Rh negativo, EUA e Grã-Bretanha indicam injeção de imunoglobulina Anti-D (Roghan®, Matergan®). No Brasil, recomenda-se o acompanhamento com Coombs indireto. Caso o resultado seja positivo, deve-se encaminhar a paciente para acompanhamento de pré-natal de alto risco.
·        Bacteriúria assintomática: rastrear com urocultura no início e no fim do pré-natal, pois a identificação e o tratamento da bacteriúria diminui o risco de pielonefrite. Não há consenso recomendando rastreamento com parcial de urina/urina tipo 1/EQU. No Brasil, é solicitado para rastreamento de proteinúria em suspeitas de pré-eclampsia/eclampsia.
·        Vaginose bacteriana assintomática: não deve ser oferecido, pois não há evidências de que sua identificação e tratamento sejam capazes de diminuir desfechos negativos, como trabalho de parto prematuro.
·        Rastreamento de infecção por clamídia: não há evidências suficientes de que o tratamento diminua partos pré-termo e complicações neonatais.
·        Citomegalovírus (CMV): não há indicação de rastreamento, pois não há intervenção efetiva e nem se conhecem os fatores que levam à infecção do feto.
·        Hepatite B: a solicitação do HbsAg é um importante exame de rastreamento, pois caso o exame seja positivo, há intervenção efetiva no bebê logo após o nascimento. 
·        Hepatite C: a taxa de transmissão materno-fetal é desconhecida. Não deve ser ofertado pois não se tem evidências de efetividade.
·        HIV: deve ser oferecido já no início do pré-natal. Caso negativo, repetir no 3º trimestre. O tratamento diminui 80-90% a chance de transmissão do vírus para o feto, além de permitir o preparo de medidas periparto. Lembrar que a realização do exame depende do consentimento da mãe.
·        Estreptococo grupo B: não faz parte do protocolo da rede. Sua recomendação é controversa. As escolas americanas que recomendam indicam que o rastreamento seja feito entre 35-37 semanas com cultura de secreção vaginal. Caso positivo, realizar tratamento com antibiótico durante o parto ou na ruptura de membranas, na tentativa de diminuir a infecção neonatal. O NICE recomenda mais estudos para determinar a efetividade do rastreamento.
·        Rubéola: caso a sorologia venha positiva, não há tratamento efetivo para a mãe ou para o bebê. A finalidade do exame seria para, nos casos de exames negativos e sem imunidade, atentar para risco de infecção e orientar vacinação após o parto.
·        Sífilis: o rastreamento deve ser feito com VDRL na 1ª consulta e no 3º trimestre. O tratamento é benéfico para mãe e feto.
·        Toxoplasmose: o rastreamento não é indicado nem nos EUA e nem na Europa, pois o tratamento (espiramicina) não é efetivo e não diminui as complicações fetais. O Ministério da Saúde recomenda realização de IgG e IgM. Sugere-se orientar a gestante, caso não haja imunidade, cuidados para evitar a infecção, como não ingerir carne crua/mal passada, por exemplo.  
·        Diabetes gestacional: é um dos exames de rastreamento mais controversos. A Academia Americana de Ginecologia e Obstetrícia, por exemplo, não recomenda rastreamento para mulheres de baixo risco (idade < 25 anos, sem história de alteração do metabolismo da glicose, peso pré-gestacional adequado e sem história familiar de primeiro grau de diabetes). O NICE só recomenda o rastreamento para população de risco (IMC > 30, história de macrossomia, diabetes gestacional prévio e história familiar de primeiro grau de diabetes). O rastreamento recomendado é com teste de tolerância oral à glicose (TTOG) com 75g de dextrose. O Ministério da Saúde recomenda o rastreamento com glicemia de jejum e TTOG 75g, quando alterada a glicemia de jejum.
·        Ultrassonografia obstétrica: deve ser oferecida entre 18 e 21 semanas, pela maior sensibilidade na detecção de más-formações no 2º trimestre, quando comparado ao primeiro. Deve-se sempre orientar a gestante quanto ao propósito e às implicações do rastreamento de anomalias fetais. Para a determinação de idade gestacional, a melhor época para realização do exame é entre 11-12 semanas. O Ministério da Saúde não indica o número de ultrassonografias a serem realizadas. Em Florianópolis, é oferecido um exame pela rede pública, idealmente entre 17 e 22 semanas.


Qualquer dúvida sobre o tema entre em contato através do blog ou pelo e-mail limfc.ufsc@gmail.com



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