segunda-feira, 19 de setembro de 2011

TRISTEZA, SENSAÇÃO DE DEPRESSÃO E PERTURBAÇÕES DEPRESSIVAS


Pessoas com sintomas proeminentemente depressivos na Atenção Primária (APS)

Paulo Poli Neto
Fernanda Lazzari Freitas

 

Confira abaixo o caso clínico que será abordado pelo médico de família e comunidade Paulo Poli em nossa próxima reunião (21/09 – quarta-feira, às 18h na sala 925 do CCS/UFSC).


A primeira questão fala do CIAP 2, que é uma classificação diagnóstica específica da Atenção Primária e usada em muitos países. Veja a versão resumida em http://www.sbmfc.org.br/media/file/ciap/CIAP2_sumario.pdf ou a versão completa no http://www.sbmfc.org.br/media/file/CIAP%202/CIAP%20Brasil_atualizado.pdf

Caso clínico

Joana, de 30 anos, é conhecida do(a) Dr(a). Emefece, que acompanha seus 2 filhos, de 5 e de 8 anos, e acompanhava seu pai que esteve acamado por um AVC e faleceu há 2 anos. Ela consultou algumas vezes para eleição de método contraceptivo e há 6 meses para inserir o Dispositivo Intra-Uterino (DIU). Joana sempre pareceu muito forte, ágil, decidida. Dessa vez chega abatida, semblante tenso e preocupado. "Dr., preciso muito da sua ajuda, não me sinto bem, já faz mais de um mês, mas agora piorou, tô muito desanimada, não consigo mais fazer minhas coisas, sinto que não vou dar conta. Se pudesse me enfiava em baixo da cama e não saía mais.." Emefece ouve atentamente, sem interromper, demonstra interesse pela sua narrativa. Joana continua: "ando muito irritada, ansiosa, brigo com todo mundo, meu marido já não me aguenta, no trabalho também não. À noite fico pensando num monte de coisas e não consigo dormir. Sei lá, Dr(a)., será que é depressão?". Emefece pensa em responder, mas se contém e Joana avança, "mas acho que pode ser do cansaço também, Dr(a)., não parei mais desde que o pai ficou doente, cuidar dele, das crianças, trabalhar fora e, agora (começa a chorar), o Rogério (o marido) desempregado."


Questões

Considerar a resposta mais apropriada levando em conta os conteúdos teóricos e os aspectos práticos específicos da Atenção Primária (APS):


1. Que diagnóstico você daria para Joana?


A. Depressão Maior de acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV), pois apresenta pelo menos anedonia, sensação de inutilidade, fadiga ou perda de energia, agitação e alteração do sono por mais de 2 semanas;


B. Episódio Depressivo Moderado, segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), por apresentar 4 ou mais sintomas, como perda do interesse, humor rebaixado, diminuição da auto-estima e alteração do sono; 



C. Descreveria em Análise no prontuário: "Tristeza e Sensação de Depressão (código P-03 da Classificação Internacional de Atenção Primária – CIAP 2) há aproximadamente 30 dias. Relaciona mal-estar a excesso de responsabilidade e carga de trabalho nos últimos anos e à preocupação com desemprego do marido".

D. Ansiedade generalizada (CID-10) por apresentar nervosismo persistente, irritabilidade, alteração do sono; 


E. Trata-se de um transtorno misto ansioso-depressivo, já que não há predominância de um ou de outro sintoma. 


2. Como você avalia a abordagem de Emefece nesse caso?


A. Péssima, perdeu muito tempo fazendo uma escuta não-dirigida e deixou de aproveitar brechas para perguntas importantes, como sobre alterações no apetite e pensamentos e intenções suicidas;


B. Excelente, não interrompeu a narrativa de Joana, manteve-se atento(a) e demonstrou interesse por sua história. Conteve o impulso de responder à pergunta sobre depressão e foi premiado com sua versão sobre o contexto do sofrimento;


C. Indiferente, em casos como esse a técnica de entrevista ou de abordagem do(a) Emefece não faz diferença. O que importa é o diagnóstico e o tratamento correto;


D. Boa, mas na sequência dessa entrevista e dos próximos encontros é imprescindível que Emefece utilize as ferramentas do genograma e do ciclo de vida familiar para obter os melhores resultados;


E. Ruim, no momento em que Joana chora, para haver uma melhor empatia, Emefece deveria ter tocado em suas mãos, oferecido um lenço e expressado que está ao seu lado para o que for necessário;


3. Como você relaciona os sintomas de Joana com seu contexto de vida?


A. Não relaciono, depressão é um transtorno neuroquímico que pode afetar qualquer pessoa em qualquer cultura em qualquer idade;


B. Não há como não relacionar já que todos os problemas de saúde são biopsicossociais; 


C. A causa do sofrimento de Joana é óbvia, deve-se à perda do emprego do seu marido e à sua sobrecarga de trabalho e esse tem que ser o foco do tratamento;


D. O papel do(a) MFC não é apontar uma causa social para o sofrimento de Joana, mas ajudá-la a refletir sobre seus sintomas, o tempo de duração e o momento da sua vida;


E. Provavelmente há uma relação entre os sintomas e o contexto de vida, mas essa não é uma tarefa para o médico. Esse tema deve ser explorado por psicólogos, sociólogos, filósofos, assistentes sociais, etc.


4. Qual a melhor conduta inicial para o caso de Joana?


A. Explorar melhor a gravidade do seu sofrimento, explicar que há várias maneiras de enfrentar esses sintomas, conhecer os seus próprios recursos para essa crise e apresentar os recursos do centro de saúde e da rede de saúde. Agendar um retorno para 2 semanas e mostrar-se disponível;


B. Explicar que é uma crise normativa da sua vida e que precisa lidar com isso sozinha;


C. Encaminhar ao psiquiatra;


D. Iniciar antidepressivo, tricíclico ou inibidor seletivo de recaptação da serotonina (ISRS), e agendar um retorno para 2 semanas


E. Fazer uma abordagem familiar, chamar o esposo para discutir a carga de trabalho a que está submetida Joana e como isso tem prejudicado sua vida;


5. Quais os alertas vermelhos para o caso de Joana? Quais os riscos que podem ser evitados?



A. É um caso simples que pode ser manejado na APS sem maiores riscos e sem necessidade de apoio do psicólogo ou do psiquiatra;

B. Em todos os casos como esse há que se perguntar sobre uso álcool e outras drogas, pensamentos suicidas, sintomas psicóticos, e ainda agitação ou euforia desproporcional para descartar o transtorno bipolar;


C. O(A) médico(a) de família e comunidade (MFC), por conhecer a maioria das pessoas que atende há mais tempo, pode usar várias consultas para avaliar gravidade, riscos e necessidade de apoio da equipe de saúde mental;

D. Sintomas psicóticos, pensamento suicida e isolamento social são sintomas comuns em casos como o de Joana e melhoram com o seguimento usual;


E. Sempre se deve solicitar exames para hipotireoidismo nesses casos, não apenas quando há ganho de peso anormal, lentidão psicomotora, constipação e ressecamento da pele;

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